top of page

Uma Língua Dissimulada

O modo oriental é conhecido por muitos pela paciência e pacificidade. Os japoneses dão uma grande importância a harmonia com os outros, a não atrapalhar ninguém e a ter uma boa relação com todos que o cercam.

Observando uma língua latina como português ou talvez espanhol, percebi cada vez mais que nós tendemos a amenizar quando queremos transmitir algo muito duro: uma verdade, uma ordem por exemplo. Vejo-nos fazer isso com uso de diminutivos, de pretérito imperfeito, ou algum outro jogo de linguagem para passar a impressão que o que nós queremos não é nada além de uma coisinha pequena. Isso pode causar confusão aos que estão aprendendo nossa língua, nós não falamos como eles leram no livro texto e nenhum lugar isso acontece. Usamos um português “incorreto” e só assim consigo me expressar como realmente quero. A construção das nossas frases reflete apenas as características da língua e do povo, coisas que por estamos imersos nesse meio não percebemos até nos afastarmos e analisarmos. Essas são particularidades do português, mas acontece o mesmo em línguas diferentes.

No japonês nós não temos diminutivo. Imagine que alguém falando “fazer um favor pequeno” não te passara o mesmo efeito que alguém falando “fazer um favorzinho”. Aqui usamos outros caminhos para atingir o mesmo resultado. Quando alguém me pergunta se eu quero fazer alguma coisa da qual não tenho vontade, ao invés de falar que eu "não" eu falo que eu tenho um compromisso no mesmo dia; se um cliente me pergunta sobre um produto na loja que eu sei que não esta disponível nesse momento, vou fingir procurar em todos os cantos mesmo já tendo a resposta; não me parece difícil confundir um “Volte amanhã para conversarmos" honesto com um “Quem sabe você não volta daqui alguns dias…” que para os japoneses é uma dispensa clara.

Onde isso ficou bem claro foi um projeto de escola que fiz essa semana em um grupo de umas cinco pessoas. Na hora que precisamos de ideias para o projeto eu achei um esforço conseguirmos chegar a um acordo. Ao invés de todos falarem suas ideias pessoais e no final juntarmos as melhores pra fazer o projeto ninguém queria dar a sua opinião, talvez com medo de que ela pudesse não agradar os outros. Ninguém tenta se impor. Ao ouvir uma ideia desagradável a pessoa não falava “Eu acho que isso não dará certo pelo motivo 1, 2 e 3”, mas ao invés disso ela soltava um " talvez seria interessante fazer tal coisa assim" ou então fingíamos pensar com " hmm… Talvez… " ou só com o "êêêêto..." Palavra que usamos muito no início das frases, tanto para mostrar incerteza como para amenizar uma negação.

Talvez por ter crescido na cultura brasileira acho difícil conseguir planejar um projeto dessa maneira, mas analisando de um lugar mais afastado parece estar dando certo. Em todo o ano que estive aqui nunca vi uma briga na minha escola. Aqui o silêncio ou opiniões passadas às escondidas são muito são muito piores do que talvez uma verdade jogada na cara. É uma realidade interessante, um pouco difícil de acompanhar, mas aparentemente com muitas camadas bem mais profundas do que aquela que me aparece.

You Might Also Like:
bottom of page